Toda polícia tem uma tropa de elite ou uma unidade de forças especiais, convocada para as missões mais difíceis e delicadas. Os americanos contam com o poder de fogo e a perícia da Swat e, no Brasil, conflitos críticos são resolvidos pelo Bope. O mundo da nutrição também dispõe de um esquadrão de peso, com direito a uma sigla própria e a um arsenal que, em vez de armas, está cheio de grãos, frutas e companhia. Trata-se do Dash, programa alimentar criado nos Estados Unidos há 14 anos e encarregado de desarmar bombas nos vasos sanguíneos. Se traduzirmos livremente do inglês, esse nome significa dieta para combater a hipertensão. Mas, nos últimos tempos, seu poderio provou que não se resume a baixar a pressão arterial.
Médicos e nutricionistas renomados foram convidados pela revista americana U.S. News a eleger a dieta mais saudável do mundo. A Dash desbancou outros 19 cardápios, entre eles a dieta do Mediterrâneo, e ficou com o primeiríssimo lugar. Essa escolha, é claro, pede uma pergunta: afinal, o que a Dash tem que os outros menus não têm? Antes de respondê-la, cabe voltar ao passado e vasculhar seus feitos no contra-ataque à hipertensão. “Esse programa, criado por quatro universidades americanas em parceria, é baseado em critérios científicos rigorosos e seus resultados, mensurados por pesquisas, superaram as expectativas, sendo similares à ação de remédios para a pressão”, resume a ópera o cardiologista Heno Lopes, do Instituto do Coração de São Paulo e autor do livro A Dieta do Coração, publicado por SAÚDE. Quanto à arma secreta da Dash, Lopes aposta no predomínio de frutas: “Elas fornecem muitos antioxidantes, substâncias que atuam na camada interna dos vasos e os deixam mais relaxados e menos expostos a placas”. É uma estratégia perfeita para frustrar infartos e derrames.
A nutricionista Camila Gracia, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, acredita no fator praticidade. “É um cardápio de fácil adesão, sem grandes restrições”, afirma. E também destaca o espaço reservado a leites e derivados magros. “Eles fornecem cálcio, mineral que ajuda a controlar a pressão e o peso”, diz.
Os especialistas ainda elencam entre os pontos fortes da Dash a alta oferta de grãos e hortaliças, redutos de fibras que são pouco calóricos. “Os vegetais garantem a esse plano alimentar uma grande quantidade de potássio, mineral que favorece o relaxamento dos vasos”, aponta a nutricionista Camila Torreglosa, do Hospital do Coração, em São Paulo. A Dash, para completar, reforça como nenhuma outra a ingestão de nozes, castanhas e amêndoas. “Além de minerais que combatem a hipertensão, elas têm gorduras do bem que melhoram a fluidez do sangue”, diz Camila. Mas outra característica da Dash, diametralmente oposta à sua rival mediterrânea, é moderar nos óleos. O esquadrão não tolera pratos muito gordurosos.
As qualidades mencionadas nos permitem entender, de quebra, por que esse menu tem vocação para atuar contra o excesso de peso. Um estudo da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, que acompanhou durante dez anos quase 2 300 meninas adolescentes, mostra que aquelas que seguiam mais de perto o modelo Dash engordaram menos ao longo da década. Embora o resultado prestigie a dieta, Heno Lopes lembra que, para enxugar as medidas de forma satisfatória, esse programa tem de ser adaptado a um esquema de restrição calórica. “Pessoas acima do peso devem maneirar nas oleaginosas, que são grandes fontes de calorias”, exemplifica Camila Gracia. E, como a Dash já ensina, cortar carnes e queijos gordos.
Nos últimos meses, surgiram evidências de que o esquadrão anti-infarto merece ser chamado para salvaguardar o corpo de quem tem diabete. Em outra enquete da U.S. News, experts em nutrição alçaram a Dash à condição de melhor cardápio para o controle do açúcar no sangue. “As principais recomendações para o diabético são fracionar a alimentação ao longo do dia e consumir fibras. Ambas são contempladas por esse programa”, avalia a nutricionista Camila Leonel de Abreu, da Universidade Federal de São Paulo. Como se sabe, as fibras encontradas nos vegetais reduzem a absorção de glicose no intestino e promovem saciedade — e tudo isso resulta em taxas de açúcar mais equilibradas.
Se não bastasse quebrar o esquema de fatores de risco que culminam em ataques ao coração, ao cérebro e aos rins, a Dash ainda promete entrar na guerra contra o câncer. “Alguns trabalhos sugerem que essa dieta teria um papel na prevenção de tumores, especialmente o de intestino”, conta Heno Lopes. Mas ainda faltam estudos de longo prazo que legitimem esse potencial. O benefício, nesse caso, viria do conjunto de nutrientes já anunciados, sobretudo os antioxidantes, que servem de guarda-costas às células, evitando sua degradação — o primeiro passo para o surgimento de um tumor. Como você pode perceber, a Dash tem tudo para mostrar que missão dada é missão cumprida. E, enquanto ela aguarda novas condecorações, não seria nada mau convocá-la para a sua rotina.
A história do pelotão Dash
Ele nasceu em 1997 baseado em preceitos científicos. A primeira versão não propunha cortes no sal, que foram adotados em sua atualização. “É uma dieta com impacto significativo sobre a pressão e que pode reduzir a mortalidade por derrame em até 30%”, diz Emilton Lima Júnior, cardiologista da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Grãos e cereais integrais
Quanto consumir: 8 porções (cada uma equivale a 1/2 xícara de chá ou 1 fatia de pão) ao longo do dia
O que eles têm: fibras, vitaminas e minerais
Efeito cardiovascular: as fibras reduzem a absorção de colesterol, evitando o tráfego de gorduras pelo sangue. Vitaminas e minerais são antioxidantes e ajudam a evitar o processo que culmina no entupimento do vaso
No peso e no diabete:as fibras propiciam saciedade e facilitam o controle do açúcar na circulação
Frutas
Quanto consumir: de 4 a 5 porções ao dia (cada uma corresponde a 1 unidade média ou 1 copo de suco)
O que elas têm: fibras e antioxidantes
Efeito cardiovascular: a ação conjunta desses dois nutrientes reduz o risco de placas se formarem e crescerem dentro das artérias
No peso e no diabete: os componentes fibrosos diminuem a absorção de glicose e evitam seus picos no sangue. Só vale tomar cuidado com frutas açucaradas, como a uva
Verduras e hortaliças
Quanto consumir: de 4 a 5 porções ao dia (cada uma equivale a 1 xícara de chá do vegetal cru ou 1/2, se ele for cozido)
O que elas têm: fibras, vitaminas e minerais
Efeito cardiovascular: já falamos do papel das fibras, mas as hortaliças são cruciais mesmo por fornecerem potássio, mineral que relaxa os vasos sanguíneos
No peso e no diabete: as fibras auxiliam a domar o açúcar no sangue e a eliminar a barriga de modo mais eficiente. E os vegetais são pouco calóricos, facilitando a perda de peso
Leite e derivados magros
Quanto consumir: de 2 a 3 porções ao dia (cada uma corresponde a 1 copo de leite, 1 xícara de chá de iogurte ou 1 pedaço de 40 gramas de queijo)
O que eles têm: cálcio e proteína
Efeito cardiovascular: o destaque aqui vai para o cálcio, mineral que ajuda a impedir o disparo da pressão arterial
No peso e no diabete: estudos mostram que o cálcio interfere nas células de gordura, minimizando o acúmulo de peso, e contribui para o controle glicêmico
Carnes magras
Quanto consumir: 2 filés pequenos por dia
O que elas têm: proteína e, no caso dos pescados, que deveriam ser consumidos pelo menos duas vezes por semana, a gordura ômega-3
Efeito cardiovascular: proteínas são bem-vindas a todos os tecidos. O ômega-3 combate inflamações nas artérias
No peso e no diabete: há indícios de que o ômega-3 dos peixes favoreça a ação da insulina nas células. Quanto às carnes, dê preferência a cortes magros, como filé-mignon
Leguminosas
Quanto consumir:4 porções por semana (cada uma equivale a 1/2 xícara do alimento cozido)
O que elas têm: fibras e vitaminas como o ácido fólico — a soja ainda tem isoflavona, protetora do coração
Efeito cardiovascular: as fibras diminuem os níveis de colesterol e o ácido fólico é uma vitamina que reduz o risco de formação de placas
No peso e no diabete: mais uma vez, o benefício vem das fibras, que controlam o apetite e as taxas de açúcar
Oleaginosas
Quanto consumir: um punhado (40 gramas) quatro vezes por semana
O que elas têm: vitamina E, selênio e gorduras boas
Efeito cardiovascular: a vitamina E e o selênio resguardam as paredes dos vasos. As gorduras boas, como o ômega-3, atuam contra processos inflamatórios recorrentes
No peso e no diabete: são úteis para vencer a resistência à insulina por trás do diabete tipo 2. Mas não vale abusar, porque castanhas e afins são bem calóricas
Óleos
Quanto consumir: de 2 a 3 colheres de chá por dia — priorize os de soja e canola para cozimento e o azeite de oliva para regar os pratos já prontos
O que eles têm: gorduras mono e poli-insaturada
Efeito cardiovascular: a versão monoinsaturada do azeite regula o colesterol e a poli, representada pelo ômega-3, ajuda a barrar inflamações nas artérias
No peso e no diabete: a monoinsaturada parece atenuar a resistência à insulina. O ômega-3 batalha contra o peso
Um posicionamento sobre os doces
A Dash não desautoriza o seu consumo, mas pede muita parcimônia: a orientação é não exceder 1 colher de sopa por dia cinco vezes por semana. A justificativa é a de que os doces carregam açúcar e gordura saturada além da conta, itens que prejudicam os vasos, impulsionam o ganho de peso e ainda desregulam os níveis de glicose no sangue.
por Diogo Sponchiato