Por várias vezes defendi e vou defender sempre a musculação para corredores. Há quem proponha que ela seja feita apenas no chamado “período de base”, enquanto outros a indicam de forma diferenciada em cada período, posicionamento do qual sou partidário. De sã consciência, alguém acha mesmo que um ganho de força física adquirido num determinado momento possa durar o resto do ano, suportando todo tipo de esforço a que o atleta submete o seu corpo? Mesmo quem não é atleta, mas corre o ano todo, precisa manter um mínimo de força para treinar.
Há ainda os que questionam que os melhores corredores do mundo – os quenianos, não são adeptos ao treinamento de força. Ledo engano. Quando falamos em treinamento de força, para alguns vem logo a idéia da musculação pura e simplesmente pesada utilizada pelos fisiculturistas, mas existem várias formas de desenvolver essa qualidade física, adequando-a à cada modalidade esportiva e especialidade, até porque existem também várias formas de manifestação da força. São elas: Força Pura, Dinâmica, Explosiva, Resistência Muscular Localizada e Endurance (resistência).
No caso dos corredores fundistas, a Dinâmica, a Explosiva, a Resistência Muscular Localizada e a Endurance são as mais populares e as formas de desenvolvê-las mais usadas pelos treinadores são o treinamento de circuito combinado com atividade aeróbia, o trabalho em rampa e os exercícios de musculação, com ênfase nos membros inferiores.
Treinamento combinado
O circuito, que é um conjunto de exercícios de musculação executado praticamente sem intervalo, combinado com atividade aeróbia, tem grande aceitação, mas precisa ser bem planejada a questão da intensidade e duração de cada parte do treinamento, para que uma não interfira negativamente na outra. Ou seja, no caso de uma intensidade mais alta ou duração maior da parte aeróbia, a solicitação motora pode ser contraditória ao desenvolvimento da força, ocorrendo o que se conhece em fisiologia por catabolismo.
Existem trabalhos comparando atividade aeróbia de 20 com 40 minutos, junto com a musculação, com melhores resultados no primeiro caso. Veja as conclusões de estudos de treinamento combinado:
1) A força muscular pode ser comprometida pela execução de treinamento de endurance de alta intensidade. Ou seja, correr forte e depois fazer musculação compromete a segunda.
2) A potência muscular pode ser prejudicada pela execução simultânea de treinamento de força e de endurance. Concluindo: não é para fazer treino longo e musculação ao mesmo tempo. No máximo uma corrida leve ou moderada.
3) O consumo máximo de oxigênio não é comprometido pela ação simultânea de treinamento de força e resistência. Alguns estudos comparativos mostram uma ligeira vantagem para quem faz treinamento combinado.
4) A endurance não é afetada negativamente pelo treinamento simultâneo.
Isoladamente esses dois tipos de treinamentos podem ser benéficos e complementares, haja vista o perfil dos triatletas da atualidade, muito mais fortes e mais rápidos com treinamento fortes de musculação e de corrida. O mesmo podemos dizer dos ultramaratonistas e de quem participa da Comrades. É difícil imaginar alguém correr uma prova dessas sem fazer musculação ou qualquer outro tipo de desenvolvimento da força.
Outro fato a ser levado em conta, quando se vai começar, é definir a prioridade. Se o corredor precisa mais da musculação, a seção deve começar por ela, podendo inclusive o aquecimento ser feito com exercícios envolvendo várias articulações e grandes grupos musculares, com cargas leves. Caso o objetivo seja emagrecimento ou melhorar a resistência na corrida, esta pode vir primeiro porque, mesmo que por algum motivo o corredor fique cansado na musculação, o principal já foi feito.
Corredores que apenas correm tem a musculatura das pernas bastante resistentes, são excessivamente magros, apresentam bom sistema cardiovascular, colesterol bom (HDL) mais alto e ruim (LDL) baixo, boa proteção contra as doenças do coração, boa ossatura, mas costumam ter desequilíbrio muscular entre lado direito e esquerdo, desproporção entre tronco, braços e pernas além de se lesionarem mais.
Claro, quem corre não deseja um corpo de fisiculturista. Por isso o programa deve ser direcionado a aumentar as diversas manifestações da força, da potência e da flexibilidade, completado com as aulas de alongamento. É bom que se diga: o corredor precisa da flexibilidade, mas é para desenvolver em treinamento; no dia da prova o alongamento é perfeitamente dispensável.
Embora a força resistente seja a maior exigência de um fundista, em vários momentos dos percursos de rua precisa-se da potência, da força explosiva de média ou curta duração. Nas subidas, nas descidas ou mesmo na decisão estratégica de ultrapassar alguém num determinado momento, essas valências físicas serão decisivas. Por esses motivos, a musculação ou a ginástica localizada para o corredor não deve se prender sempre a muitas repetições com pouca carga ou apenas um tipo de treinamento. A prescrição ideal deve estar incluída numa periodização, começando por um programa global envolvendo os grandes grupos musculares, seguido dos menores.
Para cada caso, uma recomendação
A maioria dos livros sugere uma tabela de percentual de carga x repetição a partir da Força Máxima para desenvolver as diversas manifestações da força. Esse valor de Força Máxima é conseguido num teste chamado de 1 RM, que é pouco utilizado pela sua complexidade logística. Por isso sou partidário que esse percentual seja definido por erro e acerto, a partir do número de repetições e séries previstas. O corredor deve chegar à última repetição da última série sem condições de executar mais duas ou três repetições. Se estiver fácil de fazer, aumenta-se a carga e em duas ou três seções de treinamento a carga já estará adequada e sem riscos.
Parâmetro | Sobrecarga | Repetições | Séries |
Força Pura | 85 a 99% | 2 a 5 | 3 a 8 |
Força Dinâmica | 70 a 90% | 6 a 12 | 3 a 5 |
Força Explosiva | 30 a 60% | 6 a 10 | 4 a 6 |
RML | 40 a 60% | 14 a 30 | 3 a 5 |
Endurance | 25 a 40% | Mais de 30 | 4 a 6 |
Sendo assim, cada fase do treinamento, cada segmento corporal e faixa etária podem exigir séries e cargas diferentes na musculação.
Por exemplo: no período de base ou quando o corredor por algum motivo parou de treinar (por contusão ou problemas particulares) a carga deve ser mais alta (mais peso e menos repetição) para recuperar a Força Dinâmica. (1).
Quando o atleta está visando uma prova curta, vai precisar de Força Explosiva (2). Aí ele vai incluir de 4 a 6 séries e repetições de 6 a 10 com 30 a 60 % da Força Máxima, executando as séries de modo mais rápido. Nas corridas de 10 km a Resistência Muscular Localizada (4) passa a ser mais importante e a Endurance (5) para as maratonas.
Entretanto, vale sempre lembrar que treinamento físico não é uma receita de bolo. Embora a Endurance seja prioritária para o maratonista eu particularmente acredito num treinamento misto. Quem treina musculação duas vezes por semana pode perfeitamente num dia pegar mais pesado com poucas repetições e no outro, muitas repetições com pouca carga. Tudo depende do que cada corredor precisa no momento.
Também pode haver o caso de nas pernas o corredor necessitar de muitas repetições e pouca carga e nos braços mais peso e pouca repetição e faz sentido. Os membros superiores são os que mais perdem força porque no dia-a-dia nem sempre são usados e costumam ser ignorados no treinamento. Os membros inferiores mal ou bem estão sempre em atividade porque temos que andar, subir escadas, sentar e levantar da cadeira várias vezes ao dia e a massa muscular é maior. De qualquer forma é um erro também achar que o corredor só precisa fazer musculação para as pernas. Os músculos do tronco e quadril são importantes na transmissão de força para as pernas, daí a necessidade do corredor fazer também abdominal, coisa que geralmente detestam.
Depois dos 50 anos, o maior benefício
Por duas fortes razões os corredores mais velhos são os mais beneficiados pelo hábito da musculação. Ao longo do tempo existe uma perda natural de massa muscular, conhecida como sarcopenia, palavra de origem grega que significa “perda de carne” (sarx = carne e penia = perda). Na corrida de longa distância, por si só, ocorre um processo conhecido por catabolismo, ocasionando também a perda de massa magra. Essa, em tese, pode ser uma das razões para os corredores serem “secos”, o que não acontece com o atleta de força.
A musculação comprovadamente promove o processo inverso, chamado de anabolismo, porque estimula a produção de hormônios, principalmente a testosterona. Já existe consenso na comunidade médica científica dos benefícios da musculação para a terceira idade.
Resumindo podemos destacar alguns aspectos consensuais da musculação para corredores:
1) As séries, a carga e a repetição devem ser escolhidas de acordo com a necessidade do momento. Nem muito peso com pouquíssimas repetições, nem pouco peso e repetição exagerada. Muito peso pode lesionar e repetição exagerada pode ser monótono, além da possibilidade de não surtir o efeito desejado.
2) Os exercícios devem priorizar os membros inferiores, sem desprezar os superiores. Se num dia não dá para fazer tudo, priorize só para as pernas.
3) A musculação pode ser feita no mesmo dia da corrida, desde que as duas seções não sejam de alta intensidade.
4) A forma de treinar força deve variar com musculação, subidas de rampa, cross e circuito.
5) A força deve ser treinada o ano todo.
6) Os exercícios de musculação mais indicados ao corredor são: abdominal, agachamento, flexão e extensão de joelho, adução, abdução e flexão do quadril, flexão plantar, extensão de tronco, flexão e extensão de cotovelo, crucifixo ou supino, puxada pela frente, elevação de ombro e as remadas.
postagem da revista e site /contrarelogio.com.br/
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