Nem todo mundo está com o pé fortalecido o
suficiente para baixar o solado. Veja se é o seu caso e saiba como se preparar. Saiba como iniciar no minimalismo.
Hoje em dia, todas as marcas têm
apostado nos tênis minimalistas, aqueles com um drop mínimo ou quase
zero, cuja ideia é simular o correr descalço. Por isso, ficou muito
mais fácil baixar o solado e experimentar a corrida com o pé mais próximo ao
chão.
Boa parte dos corredores toma a
iniciativa para minimizar o risco de lesões, mas o prejuízo pode ser ainda
maior. “É extremamente importante que a transição seja feita
progressivamente, seguindo os princípios do treinamento, aumentando
gradativamente a quilometragem e o tempo em que se usa o tênis. Nos casos de
corredores que desenvolveram estresse de metatarso após a adoção do
minimalista, especula-se que a causa foi a alteração da marcha, por isso,
reduções em volume/ritmo são essenciais. É preciso primeiro se adaptar para
depois aproveitar os benefícios desses tênis”, alerta o treinador Marcos
Almeida, especialista em Ciência da Musculação e mestre em Ciência da
Motricidade Humana em Campos dos Goytacazes.
Entre os motivos para testar os
mínimos, estão menor risco de lesão (após o tempo de adaptação), maior economia
de corrida e melhor propriocepção – que é a percepção sobre o seu corpo. Daniel Lima, diretor técnico da DanSports,
especializado em Treinamento Desportivo pela UFRJ, também sugere a mudança.
“Estudos têm mostrado que a corrida descalço ou com tênis minimalistas tem
vantagens sobre a corrida com tênis tradicionais justamente na questão do
impacto sobre as articulações. Há uma nítida mudança de técnica quando
descalço. Em vez de pisar primeiro com a parte do calcanhar, a tendência é que
se aterrissemos com a parte anterior (da frente) do pé. Isso diminui o impacto,
pois, dessa forma, além do joelho, a articulação do tornozelo também atua no
amortecimento e a impulsão para frente é feita com menos esforço”, explica.
Para ele, todos podem correr descalços ou com minimalistas desde que tomem
cuidados para que a musculatura e a sensibilidade do pé sejam restauradas após
anos protegidos pelos tênis.
“Hoje o pé é mais fraco, com ossos
menos tolerantes a impactos e músculos que protegem menos as articulações. Por isso, é necessário um trabalho específico
para fazer essa transição de forma menos traumática. A primeira medida é
alterar a passada, fazendo o primeiro contato no solo com o meiopé (pé todo no
chão) ou antepé (área abaixo dos dedos). Além dessa mudança, tenha maior
atenção com o pé, para perceber o quão rígido e fraco ele está. A rigidez
dificulta a recepção do peso do corpo na corrida com um tênis minimalista”,
afirma o treinador Vitor Tessutti, pesquisador do Laboratório de Biomecânica do
Movimento e Postura Humana da USP.
Recentemente, Mark Cucuzzella, professor da West
Virginia University (EUA) e um dos grandes pesquisadores da corrida
minimalista, indicou quatro testes simples para verificar as condições de seu
pé. Pedimos que treinadores e fisioterapeutas especializados analisassem e
dessem também as suas dicas.
Teste 1 – tendão de Aquiles
Sente em uma cadeira com as pernas retas e o pé inteiro no chão. Escorregue o
quadril para frente até que o joelho ultrapasse a ponta do pé. O ideal é que
consiga fazer isso sem levantar o calcanhar. Se não puder, significa que
precisa fortalecer e alongar mais o tendão de aquiles, a parte de trás do
tornozelo. Ana Paula Simões, médica-assistente do grupo de traumatologia do
esporte da Santa Casa de São Paulo e delegada regional do Comitê de
Traumatologia Esportiva, analisa que sem essa flexibilidade o atleta
sobrecarrega a área do calcâneo e muda a maneira de armazenar e liberar energia
elástica, o que compromete a eficácia do impulso na corrida.
Teste 2 – Fáscia Plantar
Ainda sentado e com o pé no chão, pegue o dedão com a mão e tente erguê-lo o
máximo possível sem mexer no restante do pé. Se não tiver muito sucesso (ou
seja, se só conseguir um ângulo menor que 30º), é sinal de que precisa
fortalecer a fáscia plantar, tecido da planta do pé que sai próximo ao
calcanhar e vai até os dedos. “Além de forte, também tem que ser flexível,
porque quando a fáscia plantar é muito encurtada, a eficiência da corrida é
comprometida na fase do apoio”, explica Ana Paula.
Teste 3 – Dedão
De pé, tente levantar todos os dedos menos o dedão, sem forçar demais o
tornozelo, que acaba “caindo” para dentro para compensar. Para Cucuzzella, isso
mostra se você é capaz de dominar os músculos do pé separadamente,
especialmente o dedão, sem precisar do tornozelo. O dedão, lembra, é
imprescindível na fase de apoio da corrida – cerca de 85% do controle recai
sobre ele.
Teste 4 – Em uma perna só
Fique de pé em uma perna só e tente se manter firme com o pé todo apoiado no
chão. Se conseguir ficar 30 s sem balançar e sem ajuda dos braços, está com um
bom equilíbrio.
Faça sua parte!
Se você não ficou muito animado com os resultados dos testes, não se preocupe.
É normal que o uso prolongado de tênis tenha reduzido a mobilidade do pé e
encurtado tendão de aquiles, fáscia plantar e panturrilha. A SPORT LIFE pediu
aos especialistas que montassem um plano de ação para fortalecer o pé e para
deixá-lo pronto para o combate. Repita os exercícios durante 5 min, de 2 a 3
vezes por semana.
Relaxe a fáscia plantar
Vitor Tessutti sugere a manipulação do pé, principalmente os ossos abaixo dos
dedos (metatarsos), o arco plantar (do calcanhar até o dedão) e o arco
transverso (abaixo dos dedos). “A massagem destas áreas, aliada ao alongamentos
dos dedos, puxando-os para cima, permitirá que músculo e fáscia plantar fiquem
menos rígidos. Isso ajudará na adaptação do pé durante a corrida. Exercícios
que envolvam bolinhas de gude, frescobol ou de tênis na sola do pé também
aumentam a amplitude de movimentos das articulações”, diz. Para fazer a
primeira parte do relaxamento, envolva o pé com as duas mãos, colocando os
dedões no centro da sola do pé. Puxe os dedos para perto de você, formando uma
espécie de concha (1). Em seguida, faça uma massagem na sola do pé, usando o dedão
da mão como auxíliar. Vá do calcanhar até a proximidade dos dedos (2). Depois,
faça o mesmo movimento usando uma bolinha, mas dessa vez de pé (3). Ainda com a
redonda, realize um exercício para fortalecer a parte da frente do pé, tentanto
agarrar a bolinha com os dedos do pé (4).
Bate-pé
O fisioterapeuta esportivo David Homsi ensina: “Com o calcanhar preso ao
chão, bata a ponta do pé seguidamente para estimular a musculatura”. Ou com o
calcanhar preso ao solo, tente puxar uma toalha para perto de si apenas com as
pontas dos dedos.
Agachamento
De pé, flexione os joelhos e faça agachamentos na ponta dos pés, sem encostar o
calcanhar no chão. Quando estiver acostumado, tente fazer com uma perna só no
chão. E, em um nível mais difícil, Homsi recomenda este agachamento em uma
superfície instável, sempre com as pontas dos pés e sem encostar o calcanhar no
chão.
Salto
Homsi ensina outro eficiente exercício, de salto. Salte sem sair do lugar, caia
nas pontas dos pés e só depois de equilibrado encoste o calcanhar. Para deixar
o exercício ainda mais difícil, faça-o em uma cama elástica.
Na areia
Andar descalço já é um ótimo exercício, principalmente se aliado à caminhada em
superfícies irregulares, como a areia fofa, que também possibilitará uma melhor
adaptação.
3 pontos
Um bom exercício liga três pontos importantes da base do pé: abaixo do dedão
(cabeça do 1º metatarso), abaixo do dedinho (cabeça do 5º metatarso) e
calcanhar. “Descalço, incline o corpo para todos os lados, sentindo esses
pontos de apoio. Cada oscilação faz com que a musculatura do pé seja desafiada
por essa instabilidade, recrutando a musculatura interna e tornando-a mais
forte”, explica Tessutti.
Pegue leve
Trote por pequenas distâncias descalço ou com minimalistas. “Comece com algo em
torno de 100 a 200 m 2 a 3 vezes por semana. Sugestão: 100 m na primeira
semana, 200 m na segunda, 300 m na terceira até atingir 1 000 m, quando então
poderia aumentar 200 m por semana”, orienta o treinador Daniel Lima.
Menos lesão
Sim, os tênis minimalistas viraram
febre no exterior e têm uma legião de fãs (aqui e lá fora) e defensores. Ao que
tudo indica, eles levam ligeira vantagem frente aos tênis convencionais,
segundo algumas pesquisas. A mais recente delas vem do departamento de
Biomecânica do Movimento da Escola de Educação Física da USP e foi conduzida
pelo fisiologista Júlio Serrão. Segundo ele, o número de lesões observadas
desde que o trabalho começou praticamente não diminuiu, ainda que os calçados
tenham evoluído – e muito. Correr com os pés sem proteção, no entanto,
apresenta uma pequena vantagem se comparado a correr calçado.
Outro estudo, dessa vez feito na
Universidade U.S. Army-Baylor (EUA), também chegou a conclusões semelhantes:
adeptos da onda minimalista apresentaram 13,7% de lesões ao correrem descalços
ou com tênis minimalistas, enquanto os que usaram tênis de sola mais alta (os
convencionais) apresentaram três vezes mais problemas. “Isso ocorre porque, com
a prática, há uma redução nos elementos externos de proteção aos pés e o
aumento dos elementos naturais de amparo a eles”, salienta Serrão. Além disso, atletas
que iniciam a pisada com o calcanhar apresentam duas vezes mais lesões do que
os que pisam com a parte da frente do pé, o que acontece quando se corre descalço
ou com um minimalista.
Mas, atenção: nada de trocar um calçado pelo outro
e começar a treinar sem preparo. “Os minimalistas estão em alta, mas não dá
para abandonar o calçado convencional de uma hora para outra. É preciso fazer
uma transição gradativa, para adaptar o seu corpo a um novo estímulo”, explica
Serrão.
Por Marina Gomes e Lygia Haydée - sporlife