Não é de hoje que existe trapaça nos esportes, e na corrida não é diferente. Um dos casos mais recentes de trapaça na corrida aconteceu em uma das edições da Corrida de São Silvestre, prova de rua mais famosa do Brasil, que normalmente atrai mais de 30 mil corredores a cada edição.
De um total de 30 mil inscritos estima-se que cerca de 4.500 pessoas invadiram o percurso – os chamados “pipocas” –, o que foi uma vitória para a organização. Em 2016 foram 15 mil não inscritos. Além disso, chamou a atenção da imprensa nacional um caso de clonagem de números de peito.
Um grupo de participantes correu com a mesma inscrição e até postaram fotos de forma irônica. Isso mostra que a quantidade de pessoas que não pagaram a inscrição da prova foi maior que o estimado e que as fraudes estão se tornando mais criativas.
Vários corredores utilizando o mesmo número de peito (Foto: Divulgação Estadão)
A triste realidade é que a trapaça entre amadores é um fenômeno cada vez mais comum em termos estatísticos e, especialmente, práticos. Vários relatórios de competições mostram resultados anormais, que requerem investigação; há um fluxo constante de transgressores de alto nível, e os fóruns e painéis sobre corrida sempre batem nessa tecla.
Em alguns casos e em algumas comunidades nas redes sociais, a prática do corredor pipoca é incentivada e muitos defendem que "a rua é pública" por isso se sentem no direito de invadir os percursos e participar do evento mesmo
não tendo pago a inscrição.
A TRAPAÇA É BEM DIVERSIFICADA
Tem gente que rouba no jogo para aparecer bem nas redes sociais, obter uma classificação geral bacana na prova ou até pegar um pódio e ter um tempo qualificatório para uma prova importante. Tudo isso é devidamente fotografado e sem qualquer pudor publicado nas redes sociais.
Duas corredoras utilizam o mesmo número (1151) numa prova em São Paulo (Foto: Foco Radical)
Cortar caminho é a forma mais comum de trapaça. Há quem estude o percurso para passar em todos os tapetes de cronometragem e não ser pego. Também tem aqueles que pegam carona em uma moto ou carro até perto da linha de chegada, antes de desfrutar a desmerecida glória.
Há, ainda, as “mulas” de números de peito: os que carregam dois ou mais números ao longo do percurso, registrando tempos falsos para amigos ou até clientes. E, claro, como no exemplo citado acima, os que “clonam” números de peito.
Como também há quem use um número da prova sendo esse de uma edição anterior da corrida, o que o torna impostor também. Vale lembrar que essas pessoas não aceitam que sejam taxados como falsários e acham que não fazem nada demais, justificando que "as inscrições de corridas estão muito caras".
Do ponto de vista jurídico, mesmo que não haja a intenção de obter vantagem, o corredor com número falso pode ser enquadrado no artigo 298, que diz respeito à falsificação de documentos, e no 304, sobre o uso de documento falso. Ambos também preveem reclusão de um a cinco anos.
Um exemplo bem caseiro é o que acontece na tradicional Corrida Sagrada, prova muito desejada que abre o calendário de corridas de rua em Salvador e que acontece no dia da famosa Lavagem do Bonfim. A cada ano cresce o números de participantes não inscritos, os chamados pipocas.
Atualmente a Federação Bahiana de Atletismo (FBA), que promove e organiza a prova, estima que na edição do ano passado houve para cada participante inscrito 1 corredor pipoca. Esse ano essa proporção foi ainda maior, chegando ao espantoso número de quase 2 corredores pipocas para cada corredor inscrito oficialmente.
Não precisa de muito esforço para entender quais as consequências negativas que esse tipo de atitude causa, já que todos os pipocas ocupam o espaço do corredor inscrito, ainda exigindo água nos postos de hidratação e alguns possuem a atitude absurda de passar pelo funil de chegada querendo medalha e o kit lanche pós-prova.
Depois da prova, muitos desses pipocas vão para as redes sociais e apontam uma série de erros e pontos negativos da prova que invadiram, com discursos agressivos, obtendo apoio e incentivando diversas postagens de ódio de outros.
Lembrando que, quando um organizador de prova organiza uma corrida ele paga taxas públicas para o uso das vias públicas. Portanto, para alguns juristas, o fato de pagar e obter o alvará para a realização do evento por parte da prefeitura torna aquelas vias exclusivas aos corredores oficialmente inscritos, pelo menos no período que ocorre a corrida. Nesse caso, a rua apesar de ser pública, naquele momento, está destinada aos corredores participantes da prova devidamente inscritos.
Para todo esse universo de corredores que se utilizam desses meios ilícitos, a corrupção está não somente na política, mas também na sua própria atitude que é baseada na esperteza de utilizar de algo que não lhe é devido.
Fonte: Revista Runners World (texto editado)