segunda-feira, 18 de julho de 2011

O "barato" da corrida e os riscos de viciar

Correr é um esporte cada vez mais popular. E não é para menos: pode ser praticado em qualquer lugar e ainda ajuda a manter a saúde em dia. Mas atenção: quando vira um vício pode causar problemas
Atividade física é saúde. Alguém duvida? A prática constante de um exercício ou esporte diminui a ansiedade, ajuda a descarregar as tensões do dia-a-dia e promove inúmeros ganhos ao organismo. A corrida se insere nesse contexto e, por sua simplicidade de execução e baixo custo, ganha cada vez mais adeptos de todas as idades e classes sociais. Mais do que isso, vem entrando no receituário de médicos que enxergam no esporte uma forma de prevenir e tratar diversas patologias. Só para se ter uma idéia, já foram descritos mais de 20 benefícios fisiológicos decorrentes dessa atividade, desde o melhor funcionamento do sistema cardiovascular até a fixação de cálcio na matriz óssea, que combate a osteoporose.
"O conceito de qualidade de vida é muito valorizado hoje em dia. As pessoas buscam, então, exercícios que proporcionem mais contato com a natureza, como é o caso da corrida", diz Marcos Paulo Reis, especialista em treinamento desportivo. "Ela acaba se tornando uma válvula de escape, que contagia e deixa seus adeptos viciados", completa João Ricardo Cozac, psicólogo que atua na área esportiva.
Exagero falar em vício? Tudo leva a crer que não. Quando uma pessoa corre, o organismo produz substâncias, como endorfina, serotonina e dopamina, utilizadas pelos neurônios na comunicação do sistema nervoso - daí serem chamadas de neurotransmissores. O cérebro as produz em resposta à atividade física, de forma a relaxar o corpo, preservá-lo da dor e provocar sensação de prazer, euforia e bem-estar. "O aumento da freqüência cardíaca, durante o exercício, faz com que todo o organismo passe a absorver e utilizar mais oxigênio, tanto para os músculos quanto para o sistema nervoso central", esclarece Wanderlei de Oliveira, diretor da Federação Paulista de Atletismo e da Run for Life (SP). É por esse mecanismo que se dá a liberação dos neurotransmissores, que atuam no controle da tensão e da ansiedade, levando a um maior relaxamento e auto-confiança.
Mudanças na cabeça e no corpo
Além dessas alterações físicas, o vício no esporte acontece também por questões de ordem psicológica. "A ação da endorfina, juntamente com a sensação de missão cumprida ao terminar um treino, completar um percurso ou cruzar a linha de chegada de uma prova, traz uma enorme satisfação, que estimula a correr mais e mais", avalia o personal trainer Isaías Rodrigues. Há que se levar em conta, ainda, que a corrida é uma das atividades mais eficientes para emagrecer - e, por isso, muitos praticantes, especialmente mulheres, tornam-se dependentes na tentativa de manter o peso. Neste caso, o exercício funciona como contra-peso, uma forma de compensar os exageros à mesa.
VOCÊ PODE ESTAR VICIADO SE...
... CORRE DE CINCO A SETE VEZES POR SEMANA. ... CONSIDERA A CORRIDA COMO A ATIVIDADE MAIS IMPORTANTE DE SUA VIDA. ... SENTE IRRITAÇÃO E CULPA SE NÃO PRATICA. ... TENTA CORRER, MESMO QUANDO ESTÁ DOENTE, LESIONADO OU COM QUALQUER CONTRA-INDICAÇÃO MÉDICA. ... ACREDITA QUE SÓ CORRENDO CONSEGUIRÁ MANTER A FORMA.
"Tudo isso é potencializado se a pessoa teve o seu corpo transformado pelo esporte. Há aqueles que moldaram as curvas ou eliminaram muitos quilos correndo e temem perder tudo se pararem", alerta Wanderlei.
Quando existe uma certa obsessão pela imagem corporal, então, o risco de se viciar é maior. "Cuidar-se, de maneira adequada, significa zelar por si próprio. Mas alguns extrapolam - são os chamados 'ginastocólatras' -, estimulados por uma auto-idolatria que rompe os limites do aceitável. Tornamse compulsivos pelo exercício e dão uma importância descomunal a qualquer detalhe do corpo - mesmo que seja 1 kg a mais", diz João Ricardo.
Identificar benefícios no físico e não querer perdê-los - e, assim, tornar- se um viciado no esporte - não é, necessariamente, algo negativo. A dependência só começa a preocupar, se está prejudicando a pessoa de alguma forma ou colocando a sua saúde em risco. Basicamente, é importante ficar atento a três sinais de que algo está errado. Em primeiro lugar, observar se a corrida é tão importante que todo o resto - família, trabalho, amigos, vida social - fica em segundo plano. Também, perceber se a dependência faz com que a pessoa tenha sintomas de abstinência quando não consegue treinar, como irritabilidade, ansiedade e depressão. Em terceiro, checar se o exagero no exercício não está colocando a saúde em risco.
CORRIDA X DEPRESSÃO
O ESPORTE É UM IMPORTANTE ALIADO NO TRATAMENTO DA DEPRESSÃO. TANTO QUE, QUANDO ELE ENTRA EM CENA, MUITOS MÉDICOS DIMINUEM A DOSE DO REMÉDIO. SUA EFICÁCIA É TÃO GRANDE, QUE A ASSOCIAÇÃO MÉDICA AMERICANA INDICA O EXERCÍCIO COMO FORMA DE PREVENÇÃO PARA QUEM TEM TENDÊNCIA À DEPRESSÃO.
ESTUDOS NORTE-AMERICANOS DETECTARAM QUE 86% DE UM GRUPO DE CORREDORES SE SENTIA CULPADO, CASO PERDESSE UMA SESSÃO DE TREINAMENTO, E 72% FICAVA TENSO, IRRITADO OU DEPRIMIDO


Atenção para o excesso
"Caso não seja bem orientado, qualquer aluno está sujeito ao overtraining - o excesso de treinamento que leva à falta de equilíbrio e causa prejuízos à saúde", alerta Wanderlei.
Na corrida há várias conseqüências, como a liberação prolongada de hormônios na corrente sangüínea, que causa redução das defesas imunológicas e cansaço crônico, e o perigo de se sofrer com fraturas de estresse.
Correr demais também acelera a chegada das rugas. Isso ocorre por que o exercício faz o organismo consumir mais oxigênio e, dessa forma, detona a produção de radicais livres, moléculas responsáveis pelo envelhecimento dos tecidos. "Nas mulheres, o excesso pode levar ao surgimento de sintomas da 'tríade da mulher atleta': anorexia (transtorno alimentar), amenorréia (suspensão da menstruação) e osteoporose", salienta Isaías Rodrigues. Tal quadro tende a piorar quando não se toma certos cuidados, como dormir bem, hidratar-se e manter uma alimentação de qualidade. "Tão importante quanto o treinamento é o repouso. O corpo precisa desse tempo de recuperação", diz Marcos Paulo. O ideal, segundo ele, é correr três ou quatro vezes por semana, entre 6 km a 10 km.
Outra observação diz respeito às maratonas. Como pipocam provas o ano inteiro nas grandes cidades, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo, se o corredor exigir demais de si mesmo pode sofrer com as conseqüências - sobrecarga nas articulações de tornozelos, joelhos, bacia e coluna, e fraturas por estresse.
Os professores de educação física ainda recomendam exames, que não devem ser feitos apenas antes do inicío do treino, mas com regularidade - pelo menos uma vez por ano. Entre eles: teste ergoespirométrico, que medirá os limites de treinamento aeróbico e anaeróbico, eletrocardiograma de esforço e ecocardiograma. Na hora da corrida, vale também priorizar os pisos macios (terra, grama, esteira), intercalar dois pares de tênis (que devem ser específicos para a prática do esporte), não correr de estômago vazio (pode causar hipoglicemia e perda de massa muscular) e, finalmente, parar e procurar ajuda médica, se sentir alguma dor ou desconforto muscular.
Dependente não admite vício
"Corro, em média, de cinco a seis vezes por semana, entre 8 km e 10 km. Depois ainda faço uma hora de spinning, o que totaliza quase duas horas de aeróbica por dia. Quando estou no Rio de Janeiro e só me resta a corrida, como atividade física, faço um percurso maior, de 15 km.
Sei que não é o ideal exagerar nos aeróbicos, mas sinto uma dificuldade enorme para diminuir. Se não vou à academia, fico mal e passo o resto do dia me culpando. A sensação, quando completo o treino, é de dever cumprido. Digo para mim mesma: 'agora sim, meu dia vai começar!' Não acho que seja viciada, embora admita que dependo da corrida para me sentir bem, bonita e com poder pessoal." (F.R.S., publicitária)






























POR ROSANA FARIA DE FREITAS
FOTOS FERNANDO GARDINALI

Revista Viver 

Nenhum comentário:

Postar um comentário