quarta-feira, 12 de julho de 2023

Frequência cardíaca e performance na corrida

 


 

O monitoramento da frequência cardíaca (FC) deixou de ser um luxo há tempos. Com inúmeros monitores cardíacos e plataformas online para acompanhamento do treinamento, os diários de treinos no papel, que muitas vezes vinham nas páginas finais de livros especializados de corrida, é que viraram raridade. Com a facilidade de visualização e principalmente de comparação da FC ao longo dos treinos, surgiram também diversas ferramentas para auxiliar o corredor a planejar e avaliar seus treinos.

Praticamente cada fabricante de equipamento possui o seu próprio sistema para esse planejamento e monitoramento, com divisão de zonas de esforço e recomendação do tempo necessário em cada uma, para o treinamento ideal. Por baixo de todas as camadas de ciência e marketing, no entanto, encontra-se um conceito fundamental para a progressão das cargas: o de que para uma mesma velocidade, a FC irá baixar ao longo do tempo (dias, semanas), indicando adaptações positivas ao trabalho físico realizado.

A diminuição da FC para um determinado consumo de oxigênio (na prática, a velocidade de corrida, desde que a eficiência mecânica do corredor não se altere) é uma das adaptações mais marcantes do condicionamento para a corrida. Logo após as primeiras sessões, o volume de sangue no corpo aumenta, causando uma pequena diminuição na concentração de hemoglobina, os glóbulos vermelhos do sangue, que são os transportadores do oxigênio.

Em resposta, o organismo produz mais glóbulos vermelhos, normalizando a concentração, e o resultado final é um sistema circulatório capaz de bombear mais sangue e oxigênio a cada batimento do coração, que por sua vez também se torna mais forte, literalmente (o processo está simplificado, mas o resultado final é esse).

É importante perceber que o organismo treinado não precisa de menos sangue/oxigênio para uma determinada velocidade, ele simplesmente consegue o mesmo aporte com menos batimentos cardíacos. Essa diminuição da FC é o que garante que o treinamento baseado por monitores cardíacos seja progressivo: se hoje um corredor tem 150 batimentos por minuto (bpm) correndo a 10 km/h, em algumas semanas pode ser preciso correr a 11 km/h para atingir os mesmos 150 bpm. Ou seja, apesar dos batimentos serem os mesmos, a velocidade precisará aumentar para o alvo ser atingido.

Com base nisso, já foi sugerido utilizar a FC de séries padrão realizadas durante o aquecimento, para determinar se o organismo está preparado ou não para cargas altas. Em tese, uma FC mais baixa em comparação ao teste anterior indicaria que sim, e uma FC mais alta indicaria que não.

INFLUÊNCIA DO CANSAÇO. É neste ponto que começam os problemas: estudos recentes têm demonstrado que a FC possui resposta muito semelhante quando atletas são expostos a cargas extremas de treino ou competição. Ou seja, quando o organismo está desgastado, encaminhando-se para as situações chamadas de overreaching e overtraining, a FC também é mais baixa durante o exercício do que em uma situação normal.

Assim, aquele corredor que se basear exclusivamente no comportamento da FC no início do treino, para estimar sua carga de trabalho, pode se colocar em um círculo vicioso, em que o excesso de fadiga leva à indicação de que o treino deve novamente ser pesado, aumentando ainda mais o problema.

Por que isso acontece? O fenômeno ainda não é completamente entendido, mas uma das possibilidades é que o estado de fadiga acumulada leve a um aumento da ativação do sistema nervoso parassimpático, que tem por resultado uma redução da FC e dificuldade de seu aumento. Ou seja, é um mecanismo completamente diferente daquele que explicamos no parágrafo anterior, que por sua vez é uma adaptação desejável. Apesar da diferença fisiológica, o resultado no monitor cardíaco é o mesmo.

Para tentar separar os dois tipos de quedas da FC, outras estratégias têm sido sugeridas. Por exemplo, é possível analisar o tempo que a FC leva para atingir seu alvo, ou ainda a sua velocidade de recuperação ao final da corrida. Por exemplo, como o sistema parassimpático “impede” o aumento da FC, ele torna o aumento mais lento, podendo até ser um ponto a ser distinguido da rápida resposta de aumento, tida como uma adaptação positiva. Estes métodos, contudo, são um pouco mais complicados e menos práticos para que o corredor os utilize no dia-a-dia.

SENSAÇÃO DE ESFORÇO. Para resolver a situação de forma simples e eficaz, atualmente a melhor proposta é utilizar a sensação de esforço em adição à FC, na hora de monitorar a resposta a diferentes cargas de corrida. Em uma situação positiva, a sensação de esforço deve cair em conjunto com a FC para uma velocidade X. Caso os dois parâmetros sigam rumos opostos, ou seja, queda da FC com aumento da sensação de esforço, uma luz de alerta deve ser acesa, e o corredor deve repensar suas cargas de treino, pois seu organismo possivelmente esteja sobrecarregado.

Seria possível então utilizar apenas a sensação de esforço, e descartar a FC, ao menos para este propósito? É um argumento discutível, mas até o momento acredita-se que o uso complementar da FC pode sim ser benéfico. Por exemplo, pequenas variações da sensação de esforço podem ser um simples reflexo de um dia mais pesado, ou de menor vontade de treinar, sendo este um parâmetro altamente subjetivo.

A FC oferece um método mais objetivo, independentemente da vontade subjetiva do corredor, tornando o controle do treinamento mais metódico. Conforme o corredor passa a entender melhor como seu organismo responde ao treinamento, cabe a ele decidir quais fatores devem pesar mais na hora de decidir como ajustar as cargas ao longo dos ciclos de treino.

 postagem da revista e site CONTRA RELOGIO

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