Confira uma estimulante entrevista com Dráuzio Varela publicada na runnersworld
Quando eu estava prestes a completar 50 anos, um amigo me disse que naquela idade começava a decadência. Então
resolvi fazer alguma coisa legal para comemorar a data e tive a ideia de fazer
uma maratona. Já comecei a correr pensando nos 42 km.
Pouco tempo depois, outro amigo me passou um programa
de treinos e fui seguindo como podia. No fim daquele ano,
corri a Maratona de Nova York em 4h01. Isso foi em 1993, e desde então já
participei dessa prova mais umas sete ou oito vezes. Também já corri em
Chicago, Berlim e Joinville — meu melhor tempo é de 3h38, em 1994, em Nova
York.
A maratona é minha distância preferida. Ninguém corre 42 km sem estar preparado, todo mundo ali sabe o que
está fazendo, então existe muito mais respeito. Já participei de alguns
revezamentos e provas menores, mas não gostei. Também fiz a São Silvestre e
detestei, achei uma bagunça.
Treino duas vezes por semana no Parque do Ibirapuera e nos fins de semana procuro correr no Minhocão ou no centro da
cidade. Aí vario os trajetos: passeio pela praça da Sé, largo de São Bento,
Mercado Municipal. Cada treino varia entre 15 e 25 km, depende de quanto tempo
tenho.
Também subo os 16 andares do meu prédio duas vezes por
semana. Vou pelas escadas e desço pelo elevador, onde
aproveito para ir me alongando. Repito isso entre oito e dez vezes. É puxado,
mas me dá um fôlego danado e com certeza me ajuda a correr melhor.
Se as pessoas fizessem mais exercício, ficar parado
seria menos penoso para o corpo. Quando
você é sedentário, você se levanta e logo tem que se sentar de novo — e aquilo
não te descansa. Quando você corre bastante e senta, é uma sensação muito boa.
Sempre levo meu tênis quando vou viajar. Tem coisa mais gostosa do em um dia de congresso você se levantar
cedinho para treinar? Corro 2 horas e depois passo o resto dia sentado, sem
culpa, ouvindo as pessoas falarem sobre os assuntos de que eu mais gosto. É uma
delícia.
Para mim, a corrida é um antidepressivo maravilhoso. Sou muito agitado, faço muitas coisas e a corrida também me ajuda a
relaxar. É o momento em que fico em contato comigo mesmo, vejo minhas
limitações, e isso me deixa mais com o pé no chão. Por isso não corro ouvindo
música e prefiro treinar sozinho.
No ano passado, fiz a Maratona de Berlim em 4h12. Depois pensei que se tivesse feito 2 minutos a menos teria me
qualificado para Boston. Não quero estabelecer essa meta porque tenho medo de
me frustrar, mas, se este ano eu conseguir fazer uma maratona em menos de 4h10,
posso comemorar os 70 anos correndo em Boston.
Não tenho nenhum cuidado especial com alimentação. Antes do treino, bebo uma água de coco ou como uma fruta. Depois
tomo café com leite e como pão, azeite e tomate. Não estou convencido de que
existe um benefício real nesses géis e vitaminas, aminoácidos. Durante a
maratona só bebo água, não tomo nem isotônico. Como cortei açúcar da minha
alimentação há 34 anos, tenho medo de ficar enjoado e passar mal.
O exercício só é bom quando ele termina. Durante, é
sofrimento. Às vezes você até libera uma endorfina no meio
e dá uma sensação boa, mas o prazer mesmo vem quando você acaba.
Quem faz atividade física tem um envelhecimento muito
mais saudável. Tenho quase 70 e não tomo nenhum remédio, peso
3 kg a mais do que na época da faculdade. As pessoas dizem: “Você é magro,
hein? Que sorte!” Não é sorte, tenho que suar a camisa todos os dias.
Eu corro porque estou convencido de que o exercício
físico é contra a natureza humana. Precisamos
combater essa inércia. Nenhum animal desperdiça energia, ele gasta sua força
para ir atrás de comida e de sexo ou para fugir de um predador. Com essas três
necessidades satisfeitas, ele deita e fica quieto. Vá a um zoológico para ver
se você encontra uma onça correndo à toa. Ou um gorila se exercitando na barra.
Por isso é tão difícil para a maioria das pessoas fazer atividades físicas.
Um exemplo disso são meus pacientes. A grande maioria são mulheres com câncer de mama. Muitas passam por
quimioterapia, perdem o cabelo, têm enjoos, fazem cirurgia para retirar parte
do seio. E enfrentam esse processo com tanta coragem que fico até emocionado.
Depois disso tudo, falo para elas que, se caminharem 40 minutos por dia, cortam
pela metade a chance de morrer de câncer de mama. Esse índice é maior do que o
da quimio, mas menos de 1% das minhas pacientes começam a fazer exercício. Vai
contra a natureza humana.
Muita gente fala que não tem tempo de fazer
exercícios. Dizem que acordam muito cedo para levar os
filhos à escola, que trabalham demais, que têm que cuidar da casa. Antes eu até
ficava com compaixão, mas hoje eu digo: isso é problema seu. Ninguém vai resolver
esse problema para você.
Você acha que eu tenho vontade de levantar cedo para
correr? Não tenho, mas encaro como um trabalho. Se seu
chefe disser que a empresa vai começar um projeto novo e precisa que você
esteja lá às 5h30, você vai estar lá. Você vai se virar, mudar sua rotina e dar
um jeito. Por que com exercício não pode ser assim?
Nós temos a tendência de jogar a responsabilidade sobre a nossa saúde nos outros. Em Deus, na cidade, na poluição, no
trânsito, no estresse. Cada um de nós tem que se responsabilizar pelo próprio
bem-estar e encontrar tempo para cuidar do corpo. É uma questão de prioridades.
Se você não consegue fazer exercício de jeito nenhum, pelo menos tem que ter consciência de que está vivendo errado, que
não está levando em consideração a coisa mais importante que você tem, que é o
seu corpo.