“Quando amadores se põem a correr provas de rua, o objetivo, em regra, não é competir contra o outro, mas contra o relógio. Não importa o tempo de quem venceu a prova, ou o ilustre desconhecido que largou ao seu lado. É o você de hoje tentando superar o você de ontem. Para isso, o ideal é começar poupando energia e ir acelerando aos poucos. O primeiro quilômetro serve mais para “entrar na prova”. Se o plano for bem executado, será o trecho mais lento de todos. Com a respiração sob controle e pulsação baixa, a impressão é que estão sendo desperdiçados segundos preciosos do tempo total. Bobagem. Quem cede a tentação e começa acelerando mais do que deve corre o risco de, no final, ser ultrapassado pelo você de ontem. É uma luta mental. E o primeiro round é vencido por quem segura o ímpeto.
O segundo quilômetro serve como fase de transição. É a vez
de encontrar o ritmo que será mantido pela maior parte da prova. A sensação de
esforço sobre um pouco, mas ainda é baixa. A partir do terceiro quilômetro o
negócio é encaixar a velocidade de cruzeiro e ligar o piloto automático. Embora
o ritmo permaneça constante, a pulsação e a sensação de esforço vão subindo. Lá
pela metade da prova tem início o segundo round da luta mental. A coisa já não
parece tão fácil quanto nos dois primeiros quilômetros, só que ainda faltam
outros cinco. A respiração é forte e os músculos da perna começam a resmungar.
A sensação de esforço já está de média para alta.
No fim do sétimo quilômetro, a respiração é bem ofegante e o
Sindicato das Fibras Musculares dos Quadríceps estará reunido em assembléia,
votando se elas entram em greve. Quando a placa mostra KM 8, é a hora da
verdade. Um ‘será que vai dar?’ começa a ecoar internamente. A sensação de
esforço é bem alta. Tem início o terceiro round, e a luta mental já virou um
UFC, com você imobilizado no tatame, tomando um mata-leão de um ucraniano com
orelhas de repolho. Mas é preciso enxergar o aspecto glamouroso: este é o momento
do banho de sais. Por fora, o corredor está envolto numa mistura de sódio,
cloreto, potássio e magnésio, do suor; por dentro, inundado de lactato, produto
do metabolismo. Dá vontade de pedir socorro, de desistir. Mas e o tempo gasto
nos treinos sob a chuva, sol, com vento, na lama? E aquele monte de dias
madrugando para treinar, voltar a tempo de deixar os filhos na escola e ir para
o trabalho?
Eis que chega o último quilômetro. Só falta unzinho. O jeito
é ir com o que sobrou, rezando para ter sobrado. A sensação de esforço entra no
modo ‘arrependa-se’. É como um nirvana, um experimento extrasensorial. O corpo
está ali, coração na boca, mas tudo parece um enorme filme nonsense, um Lucyin the Sky with Diamonds em 3D. E a
luz do cinema só se acende cinco minutos depois de cruzada a linha de chegada”.
Fonte:
Revista Veja Especial Olimpíada 18/07/12. Por Iberê Castro Dias
pensei que tinha sido valéria descrevendo uma corrida.
ResponderExcluirRicardo
Bem que poderia. A eterna luta do psicologico. Pois a vontade que dá "é meter o pé". E acabo metendo "o pé na lama".
ResponderExcluirAchei essa matéria muito massa,tudo oque esta escrito nessa matéria garanto q a maioria dos corredores amadores se sentem assim,inclusive eu.
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